5 motivos para ler Jane Austen
- Letícia Garcia
- 14 de jan. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 9 de jul. de 2021
Para além da história de amor
Autora importantíssima que abriu caminho para o romance como gênero de qualidade, Jane entrega na sua obra muito mais do que uma história de amor.
O que eu mais ouço das amigas que dizem não gostar de Jane Austen (e das que não têm nem vontade de ler a autora) é que “é só mais um romancezinho meloso”. Mas o caso é que não é. E eu explico por que com um exemplo simples e bem conhecido: Shrek.
Encarando os estereótipos que jogavam em cima dele, Shrek vira para o Burro e fala que ogros são como cebolas. Porque têm camadas. Bem, os livros de Jane Austen também são como cebolas.

A não tão digna comparação é apenas para sublinhar o fato de que existem histórias sendo contadas por Jane dentro da história principal. Por isso os livros podem encantar, ao mesmo tempo, quem só está atrás de um romance com final feliz e também quem quer uma escrita ácida questionando as condições da mulher na sociedade inglesa georgiana.
Vim aqui dar motivos para além da parte romântica que colocam Austen como fonte constante de inspiração. Destaco que é uma lista breve e pessoal e não me proponho a fazer um tratado sobre a autora — até porque sou só uma leitora apaixonada e não uma estudiosa no assunto.
1. Ela questiona a condição feminina do período
Inteligentes, determinadas, interessantes e com um destino limitado por regras sociais que as prejudicavam — a maior parte das heroínas de Austen se vê presa nesta situação.
A sociedade britânica conservadora e patriarcal dos anos 1700 e 1800 relegava às mulheres os papéis de esposa e mãe. Graças às conquistas feministas, hoje as mulheres são mais protagonistas da própria vida, mas, naquele período, não havia muitas opções. Observadora da sua época, Austen trouxe esse cenário para suas histórias.
Refletindo um bom tanto da sua experiência, ela coloca várias das suas personagens em situação financeira angustiante causada pelas esparsas possibilidades permitidas às mulheres do período. A preocupação da Sra. Bennet em casar todas as filhas, vemos logo no início de “Orgulho e preconceito”, se deve ao fato de que toda a herança da família iria para a linhagem masculina, não restando nada a elas a não ser o casamento.
Sim, o casamento era, para mulheres brancas da aristocracia*, a principal, senão única, saída para uma vida segura nas finanças. Por isso, diferente da sua própria vida, Austen faz todas as suas personagens ficarem com alguém (rico ou minimamente estabelecido) no final. Mesmo decidindo por esse desfecho, a autora narra as dificuldades enfrentadas pelas protagonistas em decorrência da realidade imposta às mulheres.
Talvez “Razão e sensibilidade” seja o maior exemplo, ao contar a vida das Dashwood depois de perderem o pai e a herança ir toda para um meio-irmão. Se não se casasse, a saída mais usual era que a mulher precisasse viver dos favores da família, já que fonte de renda era coisa difícil no período. A própria Austen vendeu poucos livros em vida e dependia dos irmãos depois da morte do pai. Talvez por isso quis dar um destino mais confortável às suas protagonistas.
Comecei destacando a questão financeira porque ela é fundamental para a independência das mulheres em qualquer lugar do mundo capitalista em que vivemos. Mas há outros pontos levantados por Austen em todos os seus livros. O próprio fato de as protagonistas serem mulheres determinadas, que, em geral, não se enquadram no ideal feminino de doçura e submissão subverte as expectativas para as mulheres do período.
Isso porque, até então, os livros e as mulheres descritas neles eram criadas por homens, que dominavam a narrativa. Homens tinham maior acesso à educação, coisa também questionada por Austen. Em “Persuasão”, a protagonista Anne diz: “Os homens tiveram todas as vantagens contra nós, ao contarem a sua própria história. Tiveram sempre uma educação muito superior; a pena estava em suas mãos”. Bom, isso foi mudando a partir de Jane Austen.
*É importante ressaltar que a obra de Austen retrata mulheres da aristocracia inglesa dos séculos XVIII e XIX — a vida e a realidade contemporâneas e próximas da autora. Isso quer dizer que representatividade não é um item contemplado nas suas obras, infelizmente, porque ela limitava seu olhar para o próprio cotidiano.
2. Mostra o cotidiano da época
Odisseias, utopias, aventuras gregas e medievais de séculos atrás — essas eram narrativas mais admiradas no período. Pois a proposta de Jane era falar do cotidiano.

O romance não era um gênero muito nobre na sua época, e coisas ligadas ao universo feminino não eram consideradas dignas da literatura. Jane foi lá e colocou isso tudo no centro. A vida doméstica, onde as mulheres eram relegadas a viver, é descrita, analisada e também questionada em muitos dos seus aspectos.
3. Traz personagens complexas
Uma das coisas mais legais em um livro é perceber que a personagem cresceu ao longo da história. E isso fica ainda melhor quando a gente é apresentada tão bem a ela que a mudança não é repentina, porque acompanhamos o processo. Isso só é possível com personagens muito bem construídas e que nos lembram alguém real — sem clichês, sem moralismos, tão complexa quanto nós.
Austen faz isso e faz muito bem. A gama de protagonistas criadas por ela é tão ampla que mesmo em “Razão e sensibilidade” — em que uma irmã é para ser a racional e a outra, a sentimental —, as personagens entregam mais do que a premissa. Mas, para mim, “Orgulho e preconceito” é o que traz as personagens mais bem construídas. É um dos melhores romances sobre amadurecimento que existem.
A autora foi uma crítica da superficialidade das relações e das pessoas da sua época, e talvez isso tenha sido determinante para as suas protagonistas. Elas sempre são construídas de forma a apresentar seus próprios conflitos e contradições, suas crenças e uma lógica de pensamento característica. Tudo sujeito a mudanças. Os diálogos são importantes para conhecer todas as personagens — e mesmo neles acontecem respostas impulsivas e arrependimentos, mas também confiança e encanto. Unidos aos diálogos estão os comentários certeiros da narradora.
4. Tem uma narradora irônica e inteligente
Os romances de Jane são escritos em terceira pessoa, por uma narradora que sabe tudo sobre os seus personagens. Isso, claro, não quer dizer que ela vai entregar tudo sobre todos — acompanhamos a protagonista quase o tempo todo, e a narradora compartilha apenas o conhecimento que a protagonista tem sobre os acontecimentos.
Isso não impede que esta narradora faça comentários sobre cada figura que aparece em cena, tecendo descrições sagazes e recheadas de ironia. Ela pontua cada situação com um algo a mais. Sentimentos, falas e atitudes são acompanhadas por observações, o que deixa toda a história mais interessante e faz conhecer os personagens para além do que eles mesmos defendem ser.
5. Valoriza sentimentos
Família, amigos e relacionamentos amorosos estão nas histórias da autora, por diferentes vieses e de diferentes formas. A autora dá espaço para o que as personagens sentem em cada relação. Decepção, aconchego, vergonha, arrependimento... Tudo está lá, mesmo que depois a personagem repense o que sentiu.

Vale lembrar também que casamento era um contrato para estabelecer relações sociais e financeiras. Para as mulheres da aristocracia britânica, um contrato para que pudessem viver com algum dinheiro. Jane criar personagens que desejam ser amadas e respeitadas primeiro para, só depois, decidirem se casar ou não foi algo revolucionário para o período.
Valorizar os sentimentos no lugar dos ganhos sociais decorrentes do casamento pode parecer meio banal hoje, mas valia ser dito.
É preciso ressaltar que a ideia da parte romântica de “Orgulho e preconceito” — casal-começa-se-odiando-e-termina-se-apaixonando, não vou nem chamar de spoiler porque faz mais de 200 anos — já foi, sim, reproduzida à exaustão. Pode ter sido inédita na época, mas, claro, depois de anos e anos de repetição, nossa geração pode se sentir desmotivada a encarar “mais uma” história assim.
Só que livros, filmes e séries se apropriaram desse modelo, muitas vezes, sem explorar o complexo caminho que faz as pessoas se enxergarem de outra forma. Coisa que Jane faz magistralmente bem.
Meu ranking dos 6 romances de Jane Austen
Se interessou e resolveu ler Jane Austen? Então aí vai meu ranking dos romances dela como sugestão.
1. Orgulho e preconceito
2. Persuasão
3. Emma
4. Razão e sensibilidade
5. Mansfield Park
6. A abadia de Northanger
Indicação de leitura
Para quem já leu todos os romances como eu, indico o livro “Aprendi com Jane Austen: como seis romances me ensinaram sobre amor, amizade e as coisas que realmente importam”, escrito por William Deresiewicz (Rocco, 2011).
E então, concorda com os motivos que listei? Acha que faltou alguma coisa? Quer ver mais conteúdo sobre Jane Austen? Escreve para mim contando, vamos conversar :)
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