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“Emma” e o encanto do cotidiano

  • Foto do escritor: Letícia Garcia
    Letícia Garcia
  • 9 de jan. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 8 de out. de 2024

Minha primeira leitura de 2024 foi, na verdade, uma releitura: “Emma”, de Jane Austen (Penguin-Companhia, 2020, trad. de Julia Romeu). Melhor ainda: foi para o grupo de leitura-amizades Lendo Livres. Sou tão feliz lendo Jane Austen com amigas!


Emma é, em quase todo o romance, alguém desgostável, para dizer o mínimo. A própria Jane Austen afirmou ser uma heroína “de que ninguém além de mim vai gostar” (p. 37). Mas é uma personagem que aprende, reconhece seus erros e muda — levemente parecida com o Sr. Darcy, que reconhece seu orgulho e passa de um arrogante presunçoso a um cavalheiro que arranca suspiros. 

Livro Emma de Jane Austen edição da Penguin Companhia das Letras
“Emma”, de Jane Austen (Penguin-Companhia, 2020, trad. de Julia Romeu).

O prefácio da prof. Sandra Guardini Vasconcelos à edição da Penguin é excelente ao afirmar: “[...] Elizabeth Bennet sofre de certa miopia de que ela precisará se dar conta e corrigir para que o processo de amadurecimento pessoal se concretize. O mesmo pode-se dizer de todas as outras personagens centrais de Austen (Emma sendo, provavelmente, o exemplo mais flagrante), cujas falhas e imperfeições fazem delas seres complexos e verossímeis. Trata-se de figuras cujos erros de julgamentos, equívocos e certezas reclamam ser submetidos ao crivo da experiência, da autoanálise e da percepção do outro para que se inicie um processo de transformação” (p. 12).


A professora Sandra também reforça que ler “Emma” pela perspectiva romântica, como um livro sobre amor e casamento, é uma simplificação. Não me entenda mal, essa leitura é possível — minha primeira leitura de “Emma” na adolescência certamente teve esse viés, e o meu encanto inicial por Austen não foi por entender as entrelinhas complexas de análise social e da condição feminina do período. Nesta releitura de agora, consegui identificar, inclusive, alguns dos pontos que devem ter me pegado naquela época, como o drama deliciosamente adolescente de Harriet dizendo “Nossa, eu achei que ia morrer!” ao contar sobre o encontro com alguém de quem ela gostava — não espanta que eu me emocionasse tanto, mesmo sem desconfiar dos comentários geniais de Austen na época.


Relendo agora, “Emma”, afinal, se desdobrou para mim principalmente como uma história sobre o cotidiano. O cotidiano da época de Jane — com todos os seus longos jantares, bailes, músicas ao piano e visitas protocolares —, mas ainda o cotidiano. Sobre o quanto há para se dizer sobre a vida comum de todos os dias, e as pessoas que a habitam. Toda a beleza, o encanto e a riqueza do cotidiano. 


E isso me fez pensar no quanto é este tipo de história que vem me tocando fundo nos últimos tempos. Como os escritos de Patti Smith, que são registros de sua vida e dão palco (para além de seus fatos extraordinários) a uma simples ida ao café da esquina para ler e conversar com o garçom. E também “Bem-vindos à livraria Hyunam-dong”, de Hwang Bo-Reum (Intrínseca, 2023), que acabei de ler e fala sobre tantas coisas ao traçar a rotina de vidas contemporâneas.


Colocar a vida diária como central — como Jane fez ao centrar toda a história em Highbury e Hartfield — é usar o particular para falar do todo, no fim das contas. Porque valores, costumes, questões de uma época são refletidos na rotina — assim como sentimentos, relações, medos e desejos. É usar o local para falar do universal.


Lendo Livres Emma Jane Austen La Roma Porto Alegre
Lendo Livres reunido em janeiro no La Roma, em Porto Alegre/RS, para falar de "Emma".

Talvez seja um viés tendencioso de minha parte, mas um dos temas que saltou de “Emma” nesta releitura foi a amizade. Em especial, o quanto as palavras dos amigos podem causar revoluções. Certo que o sr. Knightley se mostrou, na verdade, bem mais do que um amigo para Emma, mas, antes mesmo da declaração, os seus carinhosos puxões de orelha foram importantíssimos para o sacode de que ela precisava. “Vou lhe dizer verdades enquanto puder, e me satisfazer em provar minha amizade com conselhos fiéis, confiando que você, em algum momento, me fará mais justiça do que poderia fazer agora” (p. 488). O que também destaca o poder das palavras que dizemos, tanto para o bem quanto para o mal — vide o tenebroso insulto de Emma à srta. Bates, que acabou sendo a faísca para a mudança de rumo de Emma depois da conversa com Knightley.


E eu não lembrava, nem de longe, o quanto “Emma” era um livro engraçado! A ponto de eu gargalhar em certas partes, em especial ao reconhecer algum traço de um personagem que era visível em alguém conhecido meu na vida real. De novo, personagens verossímeis, né? Não são caricaturas feitas por Austen, são criaturas muito bem estabelecidas em sua humanidade. Uma humanidade que me aproximou ainda mais da história: “Apesar de todos os seus defeitos, Emma sabia que ele sentia carinho por ela” (p. 532). Este que é o grande trunfo da vida: viver o cotidiano, aprender com os erros e saber que somos amados sendo quem somos.

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