"O homem infelizmente tem que acabar", de Clara Corleone
- Letícia Garcia
- 13 de out. de 2021
- 3 min de leitura
Calma, cidadão de bem de plantão: o nome deste livro é só uma provocação. O que tem que acabar mesmo não é o homem, é o machismo. A provocação é justamente fazer pensar o que levaria uma frase destas a sequer ser cogitada. Se você é mulher, infelizmente já deve ter pensado nuns quantos exemplos.

É preciso entender ironias para acompanhar Clara Corleone. Eu, como leitora assídua de Jane Austen — que revisitei este ano, inclusive — já estou batizada. A última crônica do livro, então, é um primor. Os bolsonaristas são merecidamente esculachados no livro todo e especialmente neste texto final. Tive o prazer de ouvir a própria Clara ler essa crônica lá na Livraria Baleia, em sarau com a Manuela D’Ávila, num dos últimos eventos literários a que fui em 2020, antes da catástrofe pandêmica chegar.
“O homem infelizmente tem que acabar” (Zouk, 2019) é um livro leve que traz alguns temas pesados. Traz assuntos doloridos, como a violência contra a mulher, mas também traz chamadas para a ação. Traz histórias para ficar revoltada. E outras para rir muito. E também se emocionar. E também sentir falta de romance.
O feminismo atravessa todas as crônicas. As dificuldades e os avanços conquistados a duras penas, com exemplos reais. Mesmo sem falar de feminismo diretamente, Clara está falando, porque ela mesma e as mulheres que conhece são suas personagens principais. Então é a vida delas que está em foco.
Rolou muita identificação, principalmente nas partes em que ela coloca assim, crus no papel, os desgostos que as mulheres enfrentam neste mundo patriarcal. Marquei dezenas de frases ao longo do livro.
“ser gentil e educada não deveria passar mensagem de interesse, deveria apenas passar mensagem de que a garota, bem, é gentil e educada, mas não é assim que a banda toca. na hora de cair fora, um conflito entre ‘não sou obrigada’, ‘cara chato do caralho’ e ‘não preciso me justificar’ apanhando daquela turma mais antiga. sabe, aquela turma do:
seja educada.
seja gentil.
fala baixinho.
fica bonitinha.
senta que nem mocinha.
o que que custa?
pô, mano… custa caro pra caralho.” (p. 229)

“sim, somos criadas para amar. vocês são criados para receber amor. isso não precisa virar uma guerra dos sexos, coisa que acho muito anos 80, mas sim virar uma grande reflexão. ter sido criada para não quer dizer condicionada para todo o sempre. estou bem cansada de fazer a terapeuta, a marília gabriela, de escutar seus problemas, ajudá-los e no fim do dia perceber que não falei uma palavrinha a meu respeito porque não fui incentivada.” (p. 209)
“relacionamento não é tudo na vida. existem outras coisas, oxe, tantas! amor-próprio é a primeiríssima, ou deveria ser. um relacionamento amoroso não pode ser o grande troféu que a mulher vislumbra lá no final da caminhada.” (p. 163)
“não trate as mulheres como você trataria a sua filha ou uma mulher acompanhada. trate as mulheres como você trataria qualquer ser humano com sentimentos, porque, caso não tenha se dado conta: é exatamente isso que nós somos.” (p. 194)
É como se a escrita saísse diretamente dos cadernos em que Clara vai registrando os pensamentos e a vida. Me lembrou horrores Helen Fielding e sua Bridget Jones. Eu sei, parece que estou fazendo essa comparação porque sei do gosto da autora via Instagram, mas é real mesmo, digo com propriedade, pois já li todos os livros da Bridge mais de uma vez. Adoro este estilo confessional de escrever, que nos aproxima e nos reflete numa vida cotidiana que pode se aproximar da nossa.
“O homem infelizmente tem que acabar”, que venceu o Prêmio Minuano de Literatura 2020 na Categoria Crônica, é o tipo de livro que me deixa chapadinha pra escrever. Tenho escrito mais desde que comecei a leitura. Algumas poucas autoras fazem isso comigo, e Clara se tornou uma delas. É um livro-inspiração. Mal posso esperar pelos próximos!
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