A escrevivência de Conceição Evaristo em “Olhos d’água”
- Letícia Garcia
- 11 de set. de 2021
- 2 min de leitura
“Olhos d’água” é um daqueles livros fundamentais da literatura contemporânea. Conceição Evaristo reúne em seus contos temas viscerais da realidade brasileira.
A Carol Sá, amiga do canal Muitas Coisas de Carol, resumiu muito meu sentimento quando disse que ela consegue retratar violências com uma delicadeza de linguagem. Saímos destruídas, mas admiradas pelo poder das palavras de Conceição.

E são muitas as violências — física, econômica, emocional. Do conto “Zaíta esqueceu de guardar os brinquedos”, um dos mais aterradores e tristes, destaco: “O moço via mulheres, homens e até mesmo crianças, ainda meio adormecidos, saírem para o trabalho e voltarem pobres como foram, acumulados de cansaço apenas”. Encarar essas faces do Brasil, repletas de injustiças e desalento, é dolorido. Mas é necessário olhar para além de si.
Com sua escrevivência, Conceição torna centrais protagonistas negros, suas experiências e suas lutas diárias impostas pelo preconceito e a desigualdade. A sua escrita se torna retrato e resistência.
A crueza poética de Conceição traz para perto as angústias de Brasis que doem a cada olhar. Realidades que precisam ser encaradas para pensar sentimentos e ações de mudança. Literatura como fonte para esperançar.
O tempo
Ao mesmo tempo que nos leva a olhar para o outro, a literatura de Conceição nos leva a olhar para dentro. Uma das personagens que conversou muito comigo foi Cida, do conto "O cooper da Cida", que traz uma realidade mais próxima dos meus privilégios, e uma das poucas mulheres retratadas que não está ligada à maternidade. O conto também me tocou imediatamente por ter como tema central o tempo.
Cida “corria o tempo todo querendo talvez vazar o minguado tempo do viver. Era preciso buscar sempre. O que tinha ficado para trás, o agora e o que estava para vir. [...] Corria sobre a corda bamba, invisível e opressora do tempo".
“A corda bamba do tempo”, segue escrevendo Conceição, “varal no qual estava estendida a vida, era frágil, podendo se romper a qualquer hora.” Conto que me fez pensar, novamente e por muitos dias, sobre os valores que andamos usando para medir o tempo. E sobre as marcas que quero deixar da minha própria escrita deste tempo por aqui.
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