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Olhar para dentro: “A paixão segundo G.H.”, de Clarice, conectada à introspecção

  • Foto do escritor: Letícia Garcia
    Letícia Garcia
  • 26 de mar. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 8 de out. de 2024

O plano era escrever sobre o livro “A paixão segundo G.H.”, de Clarice Lispector, semanas atrás. Mas os tempos não estão fáceis. A pandemia parece longe de ser controlada no Brasil, a vacinação está num ritmo ridiculamente lento e a necessidade de distanciamento social acaba de completar um ano. Isso sem falar no desastre político que está este país. Como pensar em outra coisa?


Os dias estão pesados. Eu me sinto sem energia, afetada por todas essas notícias, fazendo um esforço descomunal para cumprir as tarefas cotidianas. Meus dias estão caóticos, mesmo que nada de terrível tenha me acontecido particularmente e mesmo que eu tenha muitos privilégios que me sustentam e permitem que eu esteja segura e bem.


Mesmo assim, está difícil focar e tenho sentido um cansaço constante. Sobre isso eu já falei em outros lugares também, de novo e de novo. Os problemas do mundo parecem se agravar infinitamente. De onde vou tirar energia para resenhar o livro de Clarice? Vou ficar na minha introspecção. Até porque os maiores momentos de paz que encontro ultimamente são quando me desconecto para ler, ver Netflix ou simplesmente olhar para dentro de mim.


Para minha surpresa, foi neste olhar que encontrei Clarice de novo.


Antes de seguir, uma observação: claro que acredito que as pessoas precisam estar informadas dos acontecimentos ao seu redor. Mas também acredito que algum tempo de escapismo é necessário. Momentos de plena solitude permitem reflexão. Já momentos de consumo de conteúdo de ficção e fantasia acabam nos munindo de ferramentas para enfrentar a realidade (mesmo que o objetivo inicial seja tirar o foco dela). Sobre isso, o canal Ora Thiago tem um vídeo muito bom.


Clarice Lispector ficou popular por razões que não entendo muito bem, já que a maior parte das pessoas que conheço nunca leu um livro dela inteiro. Mas os quotes, ah, os quotes estão espalhados pela internet. E são sempre frases levemente misteriosas, complexas e profundas. Adjetivos um tanto vagos, porque... bem, acredito que a literatura de Clarice é um pouco assim também.

Capa do livro "A paixão segundo G.H.", escrito por Clarice Lispector, sobre fundo de outros livros abertos da autora.
"A paixão segundo G.H.". Foto: Letícia Garcia.

Digo “vaga” como um elogio. No sentido de hesitante, mutável, indefinida. Imprecisa. Para mim esta é uma das maiores potências de Clarice: palavras em aberto. Foi com ela que conheci o estilo de “fluxo de consciência”, e não há nada mais vago do que isso: jogar-se nas palavras da mente de uma personagem que a gente acaba de conhecer. Clarice é assim desde a primeira página. “A paixão segundo G.H.” é assim desde a primeira linha.


E isso é lindo porque, ao me deparar com pensamentos de uma personagem, mais do que uma narrativa, acompanho as ideias em construção, os julgamentos, as percepções e a intrincada lógica de funcionamento do pensar. Isso, para mim, vai além da condução da história e vira um reflexo para que eu comece a investigar meus próprios pensamentos. “Estou sentindo o que estou sentindo, ou estou sentindo o que eu queria sentir? ou estou sentindo o que precisaria sentir?”, diz a narradora de “A paixão”.


Misteriosa, complexa e profunda mesmo.


Neste momento em que o perigo sanitário da Covid-19 nos faz ficar em casa, sem ver ou falar com outras pessoas e passando a maior parte do tempo com nós mesmas, a introspecção praticamente se impõe. Impossível passar 8h sem interagir com outro ser humano e não encarar a si mesma. E, a não ser que você esteja se mantendo ocupada — com filmes, livros, séries e afins —, o seu próprio lispectoverso começa a brotar. A suprema poesia é encontrar este momento tão íntimo refletido nas páginas da literatura de Clarice.


“A paixão segundo G.H.” é um livro grandioso, que fala sobre muitos temas — rotina, mistério, natureza, divindade —, e é impossível reduzi-lo apenas ao que falo neste texto. Mas, para mim, uma das coisas que o atravessa é essa tentativa humana de conexão com o mundo, de dar sentido a tudo, e o medo da incompreensão. “Tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo — quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.” Para além de me ligar à narrativa de Clarice, também percebo hoje esses sentimentos quando olho para dentro de mim.


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