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A fantástica estranheza de “A fúria”, de Silvina Ocampo

  • Foto do escritor: Letícia Garcia
    Letícia Garcia
  • 24 de ago. de 2021
  • 2 min de leitura

Atualizado: 25 de ago. de 2021

Estou aqui me perguntando até agora por que este livro demorou tanto a ser traduzido para o português! Num ano em que estou lendo muitas escritoras da América Latina, Silvina Ocampo não poderia faltar.

“A fúria” é o primeiro livro da argentina Silvina Ocampo que chegou ao Brasil. E chegou só em 2019, mesmo que sua primeira publicação tenha sido em 1959.


Contemporânea de escritores como Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, algumas análises biográficas dizem que ela gostava de passar despercebida. Será que foi desejo seu mesmo ou a força das circunstâncias sociais, que sempre privilegiaram os autores homens? Não consigo deixar de pensar que autoras como Isabel Allende e a própria Clarice Lispector foram sutilmente deixadas de fora do clube do bolinha latino-americano que alçou voo com o realismo fantástico.


“A fúria” reúne 34 contos, em que Silvina transborda ambientes comuns que abrigam acontecimentos distorcidos, cruéis e estranhos. Estranheza é mesmo a palavra para defini-la. Depois do terceiro conto, a cada nova página lida eu já ficava esperando algo incomum se infiltrar em jantar ou um passeio pelo parque.


Silvina esfregou diante de meus olhos toda a potência do conto, que eu já não lia assim com tanta vontade há algum tempo. Impossível para mim não lembrar e sentir uma vibe Lovecraft atravessando alguns momentos.


Do mesmo jeito que me empurrava para a página seguinte, Silvina conseguia jogar tanto em um mesmo conto que me causava um desequilíbrio. Ao mesmo tempo em que eu queria ler rápido o livro todo, o peso de cada história se alojava e pedia espaço para ser digerido antes que eu conseguisse seguir. Às vezes só no último parágrafo o caos se revela, e ficavam umas poucas linhas seguintes para tentar dar algum sentido ao que aconteceu.


As marcações são muitas. Muitas as frases impactantes para se destacar, muitas até para escrever e deixar à mostra. Como esta: "Que preço tem um corpo. Vivemos como se ele nada valesse, impondo-lhe sacrifícios, até que entra em pane. A enfermidade é uma lição de anatomia".


Mas o livro está cheio de personagens abomináveis. E, mais surpreendente, muitas delas são crianças. Apesar disso, eu quis saber o destino de todas as criaturas de Silvina — destino este que, na maioria das vezes, fiquei mesmo sem saber. Pessoas maldosas e sem escrúpulos, cheias de pensamentos macabros, tendo atitudes desproporcionais e seguindo adiante sem culpa. Os muitos textos em primeira pessoa têm narradores pouco confiáveis, como sempre são os narradores — dentro e fora da ficção.


O posfácio relaciona Silvina a Lispector, o que talvez explique minha imediata simpatia pela escrita dela. As histórias nos derrubam, muitas vezes, a infindáveis pensamentos e recordações, que talvez escondam/revelem um pouco a própria Silvina.


“Talvez (estou agora obcecada por esta ideia) a obra mais importante de uma vida se produza em horas de inconsistência (ela existe, ainda que apenas aquele que a criou a conheça); desconfio que a minha andará perdida pelo mundo, buscando ocasião, com vontade e vida próprias.”
— Silvina Ocampo em “A criação”

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