Dia de faxina
- Letícia Garcia
- 31 de jan. de 2021
- 2 min de leitura
Tem dias que surge uma vontade louca de fazer faxina. Arrumar tudo, trocar as coisas de lugar, se livrar do lixo. Geralmente num feriado ou num fim de semana livre de compromissos, quando a convivência com salas atulhadas de coisas chega ao nível intolerável, vencendo a vontade de ficar o dia todo vendo Netflix. Então a gente prende o cabelo, bota uma roupa confortável e começa o trabalho.
A primeira parada costuma ser o quarto. De repente, parece que ele tem milhares de cantinhos com pequenos objetos, gavetas que a gente nem lembrava, caixas em cima do roupeiro e embaixo da cama. Munida de um saco de lixo, melhor começar se livrando dos papéis, que são muitos.
A estante está cheia de folhas amontoadas em meio aos livros. São coleções de palavras, nossas e dos outros. Redações do terceiro ano, rascunhos de reportagens, recortes de revistas... Uma receita de bolo, rabiscos de um dia ruim, uma folha do diário dos 11 anos... Para decidir o que importa, a gente acaba lendo folha por folha. Depois separa em duas pilhas, o que ainda vai ser guardado e o vai para a reciclagem. E parte para a segunda prateleira da estante. Só a faxina de papéis, para mim, leva metade do dia — às vezes até o dia inteiro.
As gavetas são caixinhas de surpresas. Fechadas e esquecidas no quarto, elas ficam fora de vista e dificilmente conseguimos lembrar o que está guardado nelas. Quando abertas, um turbilhão de objetos que não são objetos, mas pedaços de memória. Lembra quando comprou isso? Um batom gasto, que nem combina com o seu estilo. Uma cartela de ibuprofeno vencido, daquela viagem desastrosa. A fita azul que veio enrolando o presente da avó. Porta-copos coloridos que comprei em uma feira de artesanato. Cada coisinha é uma parada no passado. A gente resolve colocar em caixas: isso eu guardo, isso não quero mais, isso minha irmã pode querer.
O roupeiro é um desfile à parte: são vários eus empilhados, alguns bem resolvidos e outros muito mal dobrados. Faxina de roupeiro exige que cada peça seja também revisitada, para pensar novas combinações ou descartar modelitos ultrapassados. Algumas roupas são recolocadas em seu lugar, depois de encontrada uma nova utilidade; outras vão direto para doação.

As caixas são abertas, esvaziadas e reorganizadas. Os sapatos passam por uma seleção. Os sacos de lixo (porque agora são dois) são amarrados e atirados para o corredor, para o quarto ser varrido e espanado. Passa a bruxa, arruma a cama, arrasta a escrivaninha. Muda móveis e quadros de lugar, depois muda de ideia e volta tudo de novo. Menos, claro, aquele porta-retratos. Já é fim do dia e só o quarto foi arrumado. Mas tudo bem. Não é o quarto a parte da casa que reflete a essência de cada identidade? Eu acho que sim.
Dia de faxina é cansativo. Exige um esforço para repensar onde se está, para se livrar do que não serve mais, para ver o que se é o que se foi. Mas precisa acontecer vez que outra. Tanto nos quartos quanto nas almas. Tanto fora quanto dentro de nós.
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