O nascer de um mundo
- Letícia Garcia
- 8 de jan. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de fev. de 2021
Crítica literária do livro “O Silmarillion”, do incrível escritor de fantasia J. R. R. Tolkien.
Para os amantes de Tolkien, uma expansão; para os iniciantes, um convite; para os apreciadores de boa leitura, um clássico da literatura fantástica. “O Silmarillion", obra mais antiga de J. R. R.Tolkien, consegue introduzir novos leitores a Arda, a Terra tolkieniana, e aprofundar a experiência dos fãs do mundo de “O senhor dos anéis”. Tudo isso com fôlego e o estilo solene e poderoso que fazem do autor um dos mestres da literatura contemporânea. O livro é uma coletânea de aventuras épicas que contam a origem do mundo tolkieniano.
“O Silmarillion" foi publicado em 1977, quatro anos após o falecimento de Tolkien, por seu filho Christopher Tolkien, responsável pela organização de várias outras obras póstumas. O livro conta a história da Primeira Era, os Dias Antigos: a criação do mundo e dos seres fantásticos que encontramos em “O senhor dos anéis”.

Tolkien, nascido na África do Sul, teve uma longa e bem-sucedida carreira acadêmica na Inglaterra, especializando-se em Filologia, o estudo das línguas. Mas ele ficou mais conhecido por suas obras de ficção — um mundo para abrigar as línguas que criou. Feito a partir de releituras da mitologia nórdica, esse mundo abriga as mais de 30 obras literárias do autor, desde contos independentes a grandes sagas como o já citado (e que será outras tantas vezes mais por aqui) “O senhor dos anéis”. Tolkien conseguiu criar a sua própria mitologia, referência hoje para tantas histórias fantásticas, como as de Rowling na sua saga “Harry Potter” e as do jovem Paolini em “Eragon”. As descrições detalhistas, diálogos bem trabalhados, poesias e canções tornam a narrativa de Tolkien rica, e as abstrações são um espaço a mais para que se possa construir parte importante da obra. Isso acontece em “O senhor dos anéis”, e em “O Silmarillion” fica ainda mais evidente.
O livro é o Gênesis do universo tolkieniano e é composto por quatro grandes histórias. A primeira, “A canção dos Ainur”, conta o mito da criação de Arda, e é onde a influência cristã de Tolkien aparece na sua descrição de Deus, Ilúvatar, que guia os outros deuses, os Valar. O “Relato dos Valar” fala desses deuses, dos seus poderes que encheram a Terra e em como Morgoth se tornou o primeiro Senhor do Escuro. “A história das Silmarils”, que dá nome ao livro, conta como os altos-elfos guerrearam contra Morgoth pela recuperação das Silmarils — jóias criadas por um elfo antigo que continham o poder das árvores dos Valar. “A queda de Númenor” conta a história dos homens, os Númenorianos, dos quais Aragorn é herdeiro. “Dos anéis de poder e da Terceira Era” é uma pincelada dos eventos narrados em “O senhor dos anéis”: da criação dos anéis de poder por Sauron até a sua derrota pelos Povos Livres da Terra Média.
Tolkien trabalhou nesses textos ao longo de toda a sua vida, tornando-os veículo e registro das suas reflexões. A profundidade psicológica dos personagens é percebida pelos diálogos, extensos e banhados de poesia. As guerras épicas vão além do maniqueísmo “bem” e “mal”, porque a questão maior é discutir a relação que cada um tem com as decisões que toma, com as verdades que assume, com os relacionamentos que mantém e com a força de defender o que acredita — as escolhas tomadas a partir da liberdade.
Para os que estão habituados à Terra Média, conhecer a origem de personagens como Galadriel, Elrond e Gandalf e ver completa lendas como a de Lúthien é uma trajetória eufórica. Aqueles que acompanharam os filmes terão o desafio de descobrir o ritmo da linguagem de Tokien — Peter Jackson respeitou a obra (em “O senhor dos anéis”, diga-se de passagem, pois “O hobbit” é mais problemático), mas o cinema tem um tempo narrativo diferente. Para os que pisam pela primeira vez em Arda, poderão conhecer desde o nascimento elfos, homens, anões, dragões, orcs, trolls, magos, hobbits...
Sim, são muitos nomes. “O senhor dos anéis”, na cronologia Tolkien, conta o final da Terceira Era do mundo — “O Silmarillion” se propõe a contar toda a Primeira Era, e antes. Pensando nisso, Christopher organizou um glossário ao final do livro, que traz um resumo de nomes e lugares, e ainda indica as páginas em que são citados. Muito útil, e as referências podem ser aproveitadas nas outras obras. Os mapas também estão ali, além de quadros genealógicos e apêndices com explicações sobre a língua élfica.
“O Silmarillion” amplia a leitura das outras obras de Tolkien. A emoção de ler Tolkien está em deixar-se envolver: entrar no seu mundo e abrir mão das noções de realidade que estamos acostumados a ter, e ver a nossa realidade de outro ângulo. É a essa aventura maior que “O Silmarillion” nos convida.
O Silmarillion
Autor: J.R.R. Tolkien — org. Christopher Tolkien
Tradução: Waldéa Barcellos
Editora: Martins Fontes
Páginas: 470
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