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A Porto Alegre de Costa Franco

  • Foto do escritor: Letícia Garcia
    Letícia Garcia
  • 26 de jul. de 2021
  • 9 min de leitura
Entrevistei o grande pesquisador da capital gaúcha, Sérgio da Costa Franco, como matéria especial para a edição do Jornal do Mercado que comemorou o aniversário de Porto Alegre.

O historiador e advogado Sérgio da Costa Franco tem uma longa trajetória com Porto Alegre, que começou ainda na infância. A curiosidade sobre a capital gaúcha o impulsionou a escrever diversos livros, como o célebre “Porto Alegre: guia histórico”, que traz a história de ruas e praças. Pesquisador nato, Costa Franco é referência sobre a memória histórica de Porto Alegre. Aos 90 anos, ele segue atualizando as suas pesquisas sobre a cidade, que completa o seu 247º aniversário este mês.


Nascido em 12 de junho de 1928, Sérgio é natural de Jaguarão/RS e veio para Porto Alegre aos seis anos. Instalou-se com a família no bairro Menino Deus, mas, em pouco tempo, já havia se mudado para o Centro Histórico, Rua Marechal Floriano Peixoto, vizinha ao Mercado Público.

Sérgio da Costa Franco. Foto: Fabiane Pereira.

Formado pela Ufrgs em Geografia e História (1948) e Direito (1954), a sua primeira publicação foi por intermédio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no qual trabalhou entre 1949 e 1952: “Síntese estatística do município de Porto Alegre” (1952).


Esteve morando longe da capital apenas em dois períodos: primeiro, em alguns anos no seu trabalho como escriturário no Banco do Brasil (1952–1957), quando ficou em Cruz Alta, e, depois, em seu trabalho como promotor no Ministério Público (1957–1977), quando passou por diversas cidades do interior. Voltou para Porto Alegre em 69, onde atuou como procurador de Justiça até se aposentar.


Foi depois disso que a sua pesquisa sobre a cidade começou. A centelha inicial foi nos anos 80, após ser contratado para a produção do livro “Porto Alegre e seu comércio” (1983). A pesquisa para a publicação levou Sérgio a encontrar arquivos valiosos e intocados sobre a cidade, que permaneciam escondidos nos acervos municipais. Em pouco tempo, Costa Franco estava intensa e irremediavelmente envolvido com a história da capital.


A sua trajetória em Porto Alegre começou em 1935, quando o sr. veio para cá com a família?

Sim, eu ia fazer sete anos. Neste período, era uma cidade de 270 mil habitantes, como algumas do interior hoje. Uma cidade que não existe mais. Minha mãe comprou uma casa na (Rua) José de Alencar, no Menino Deus, e os meus primeiros anos de Porto Alegre são aqui, no bairro para onde eu voltei depois de velho (risos). Mas era outro bairro, cheio de terrenos baldios. E a cidade era muito tranquila. Com uns oito anos, eu pegava o bonde e ia ao Centro fazer compras nas bancas do Abrigo (dos Bondes) ou no próprio Mercado, pois aqui no bairro não tinha quase nada de comércio. Para comprar qualquer especialidade, a gente tinha que ir ao Centro.


E o sr. morou um tempo no Centro Histórico também, certo?

Sim, saímos do Menino Deus em 1942. A minha mãe vendeu a casa e fomos para um apartamento alugado na Marechal Floriano, 72 — o edifício ainda existe. Depois, mudamos para a atual Salgado Filho, que, naquele tempo, se chamava X de Novembro. Ali eu morei bastante tempo, de 1945 até 1951, quando casei, aos 23 anos. Em seguida, tive que sair de Porto Alegre para trabalhar no interior — tinha feito concurso para o Banco do Brasil e fui mandado para Cruz Alta até 1954. Eu já estava fazendo a faculdade de Direito da Ufrgs, que, felizmente, era de frequência livre, então eu só vinha para os exames. Depois que me formei, fiz concurso para promotor e fui de novo para o interior, de 1957 a 1969, então vim para Porto Alegre e me aposentei em 1977.


O que permanece hoje da Porto Alegre da sua juventude?

Acho que nada. Mas eu era frequentador do Mercado, todo o tempo que morei no Centro fazia compras lá. O Mercado precedeu os supermercados — sem morrer, sobreviveu a eles. A gente ia aos armazéns, fazia a encomenda e depois eles mandavam entregar o rancho em casa, de diversas bancas, cada uma com a sua especialidade. Nosso fornecedor era o Armazém Lopes Dias. Outra coisa que eu gostava naquele meu tempo eram as lojas térreas, que estão desaparecendo.


Carreira jornalística e literária

Como foi o seu início com a escrita?

Foto: Fabiane Pereira.

Eu comecei a escrever no jornal muito cedo, com 20 anos, em 1949. Já tinha me formado em Geografia e História e trabalhava como professor de cursos particulares, ganhando salário mínimo. Um dia dei um peitaço: fui ao Correio do Povo, que na época era o grande jornal da cidade, com dois artigos na mão e consegui falar com o diretor, Breno Caldas. Expliquei quem eu era e que queria aumentar minha renda publicando artigos no jornal. Ele só disse “deixa aí” — não mostrava os dentes para ninguém, mas era um grande sujeito.


Surpresa minha: no dia seguinte, saiu o artigo, três colunas, e dois dias depois saiu o outro. Me enchi de vento: voltei lá e perguntei quanto ele ia me pagar. Daí em diante, comecei a colaborar com artigos sobre assuntos históricos. Breno Caldas uma vez me disse: “eu te descobri”. E eu respondi: “não é bem o caso de descobrir, eu fui me oferecer” (risos). Eu tiro o chapéu para este homem, que me abriu os caminhos. A partir dos artigos que eu publicava, me ofereceram um emprego no IBGE, porque em muitos eu falava sobre estatística. Estive três anos no IBGE, até fazer o concurso para o Banco do Brasil.


Em paralelo ao seu trabalho com o banco, continuou escrevendo?

Sempre. O Correio do Povo ainda publicava os meus artigos, nunca deixei de colaborar, mesmo estando no interior. Depois, quando fui promotor, tinha menos tempo, mas mandava de vez quando.


A antiga capital

E o seu interesse pela história de Porto Alegre, quando surgiu?

Isso foi bem mais tarde. Primeiro eu escrevia sobre o Rio Grande do Sul, já tinha livro publicado, inclusive — a minha biografia “Júlio de Castilhos e sua época” (1967). Em 1983, a Associação Comercial de Porto Alegre estava comemorando 125 anos e me encomendou uma história da associação. Eu disse que gostaria de fazer sobre o comércio de Porto Alegre e então nasceu o livro “Porto Alegre e seu comércio”.


Aí é que eu comecei a me interessar pela história de Porto Alegre. Esse trabalho me abriu portas, porque a Associação Comercial facilitou o acesso a todo o seu arquivo, muito rico, com todas as deliberações das assembleias. Comecei a pesquisar Porto Alegre e me fixei. Eu sempre gostei de história fundada em fontes primárias, não em livro de terceiros — porque a gente acompanha os erros dos antecessores —, e me agradou muito trabalhar com história local. Dali em diante, eu comecei a pesquisar durante três anos o material do livro “Porto Alegre: guia histórico”.


Já muito focado na cidade, então?

Sim. Tem aquele outro livrinho, “A velha Porto Alegre”, com vários estudos até bem desenvolvidos que fiz sobre os enforcados. Pesquisei quem tinha sido enforcado em processos criminais antigos do Arquivo Público e descobri 22 enforcamentos. Houve até na atual Praça XV, que era Largo do Paraíso. Ia muita gente, o condenado na frente, seguido pelos juízes, o oficial de justiça lendo a sentença, era um espetáculo. Em alguns casos, isso ainda no tempo da colônia, o enforcado tinha a cabeça cortada e mostrada ao povo. Eram cruéis.


O sr. sempre relata que Porto Alegre não soube preservar a sua história.

Sim, nesse livro tem uma porção de coisas. Sobre os chafarizes tem um artigo grande. A introdução dos serviços de água em Porto Alegre começou com a Cia. Hidráulica, que instalou seis chafarizes em diversos pontos da cidade: no Alto da Bronze, atual Praça General Osório, na Praça da Alfândega, no Parque Farroupilha, na Praça da Matriz, onde hoje é o monumento a Júlio de Castilhos… Ali era o maior deles, um monumento com ninfas de 1865, e hoje a única coisa que foi preservada está no pátio da hidráulica, meio danificada.


O sr. também registrou a demolição da Igreja do Rosário, que era muito importante para a cidade.

Pois é, primeiro foi a catedral, a velha Matriz — até hoje a praça se chama “da Matriz”. Era uma igreja de 1780, no princípio da Vila, que foi considerada pequena e derrubada. A Igreja do Rosário era de 1832, construída por negros de uma irmandade de Nossa Senhora do Rosário, alguns escravizados, alguns livres. Fizeram a igreja com sacrifício e, tempos depois, também derrubaram. Hoje, o prédio mais antigo da cidade, nota-se que só a parte térrea, é a assembleia antiga, onde era a Provedoria da Real Fazenda [construída em 1790, atual Memorial do Legislativo].


O Mercado escapou por pouco, porque houve vários prefeitos que quiseram derrubar o Mercado para prolongar a Av. Júlio de Castilhos. Houve reação da população, muita gente protestou e defendeu o Mercado, então a ideia foi abandonada. Isso até o prefeito Thompson Flores, já dos anos 70, que tinha planos de abrir a avenida ali — a obsessão era servir ao automóvel.


A cidade aprendeu a cuidar do seu patrimônio de lá para cá?

Começou a haver uma preocupação de defesa do patrimônio. Acho até que começa com a campanha a favor deste prédio que é hoje o museu da cidade (Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo), no (Solar) Lopo Gonçalves, na Rua João Alfredo. Aquele prédio era uma chácara do Lopo Gonçalves, que foi o fundador da Associação Comercial. Esse prédio estava meio abandonado, já tinha virado pensão e pensavam em demolir, mas houve uma campanha grande — desta eu já participei — para defender o prédio na década de 1970. Então o Estado comprou e transformou em museu. E acho que é aí que começa o movimento de defesa do patrimônio histórico. Antes, por exemplo, a Igreja do Rosário foi demolida sem protesto nenhum. Já o Mercado se salvou porque tinha muita gente que gostava dele.


Porto e Guaíba

E do Centro Histórico, quais são as histórias que o sr. destaca?

A Rua da Praia tem muita história, muita coisa aconteceu ali — combates de rua, mortandades. Veio o momento em que o Rio Grande do Sul teve um presidente, o Hermes da Fonseca (1910–1914), que foi generoso com o estado. No tempo dele, construíram o que é hoje o prédio do Margs, que foi delegacia fiscal do Tesouro, e também o atual Memorial do RS, que era dos Correios e Telégrafos. Aquilo mudou o espaço completamente. Foi sobre a área do rio, inclusive, e já se começava o aterro para construção do porto em 1912.


Foto: Joel Vargas/PMPA

O porto começou modesto, com uns 120 m de cais, mais ou menos, com início onde é hoje o portão geral do cais. Para chegar lá, aterraram, e nasceu a Avenida Sepúlveda, que vai da Praça da Alfândega até o cais. Antes, tudo era rio: a Alfândega era construída na beira do rio, e ficava ali o primeiro trapiche da cidade, onde encostavam e chegavam os navios para regularizar a sua situação na alfândega.



A história da cidade com o porto durou um bom tempo, certo?

Sim, o porto é muito importante. A cidade nasceu com o nome de “porto”: Porto de Viamão, Porto dos Casais, Porto Alegre. Perdeu importância quando chegou o tempo do rodoviarismo, pois aí tudo passou a ser feito de caminhão, pelas rodovias.


Eu ainda conheci o porto muito importante, tão frequentado por barcos que os navios ficavam ao largo, esperando espaço para atracar. Isso vem até a década de 1960. Quando eu era guri e morava no Centro, o meu passeio obrigatório, quase todas as tardes, era ver no cais do porto os navios que tinham chegado. Quando os parentes ou amigos embarcavam para o Rio de Janeiro era ali, a despedida era cheia de gente esperando a saída dos barcos. O porto foi importantíssimo para a cidade. No final, ficou só o Cais Navegantes, que ainda tem algum movimento. Mas antes tudo se fazia por vias marítimas, até viajar.


O que o sr. mais gosta em Porto Alegre?

O Guaíba. Deveria ser mais valorizado e mais aproveitado, não só para transporte coletivo — toda esta zona sul e Navegantes podiam ser servidos por conduções coletivas de barcos —, mas também no aspecto de esportes. Porto Alegre desenvolveu um pouco o remo e a vela, mas não à medida que o rio — que é lago (risos) — permite. O Guaíba é uma joia que nós temos aqui, um negócio fantástico.


Eu sou do tempo em que se tomava banho no Guaíba. Conheci a minha esposa na praia de Ipanema, tomando banho num sábado à tarde (risos). Era uma praia, tomava-se banho na Vila Assunção, no Ipanema, no Espírito Santo e nas praias do outro lado do Guaíba, Alegria, Vila Elza e Florida. Tinha até hoteizinhos: um dos programas era ir de barco no sábado e pernoitar lá. Em vez de o pessoal fazer uma enorme viagem para ir ao oceano, tinha umas praias aqui, muito boas. Depois foi ficando poluída e se abandonou. A balneabilidade do Guaíba podia ser recuperada. Isso eu continuo achando: o encanto maior da cidade é o Guaíba.


Curiosidades

  • Costa Franco tem cerca de 5,3 mil crônicas publicadas em diversos jornais durante toda a sua carreira. Publicou quatro livros reunindo algumas delas, dos quais “Quarta página” (1975) ganhou o Prêmio Carlos de Laet da Academia Brasileira de Letras em 1976.

  • Pelo conjunto da obra, ele recebeu o Prêmio Joaquim Felizardo em 2009, com destaque na área de Memória Cultural.

  • Os seus principais ensaios históricos sobre Porto Alegre são:

    • “Porto Alegre e seu comércio” (1983),

    • “Porto Alegre: guia histórico” (1988, 5ª ed. de 2018),

    • “Gente e espaços de Porto Alegre” (2000),

    • “Os viajantes olham Porto Alegre” (2004, com Valer Antonio Noal Filho, vencedor do Prêmio Açorianos de Livro do Ano em 2005),

    • “A velha Porto Alegre” (2008, 2ª ed. de 2018),

    • “Porto Alegre ano a ano: uma cronologia histórica” (2013).


Matéria originalmente publicada no Jornal do Mercado, edição impressa distribuída gratuitamente em março de 2019. Também disponível no site do JM.

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