Oh Canadian beer!
- Letícia Garcia
- 26 de jul. de 2021
- 5 min de leitura
Trecho de uma das muitas matérias que já escrevi para a seção "Mundo" da Revista da Cerveja, desta vez falando sobre a cena cervejeira canadense, em entrevista com o especialista Stephen Beaumont.
Um olhar sobre as artesanais no Canadá a partir de uma conversa com o especialista Stephen Beaumont, que vive em Toronto — quando não está viajando pelo mundo.
“Tenho acompanhado a cerveja artesanal canadense, literalmente, desde o seu primeiro dia de existência”, começa contando o autor cervejeiro. “Antes de escrever sobre cerveja, logo que a primeira cervejaria surgiu, eu estava lá para beber.” Isso foi em 1984, quando o movimento craft despontou no país, que, a partir de então, passou por diversas fases.
“Até por volta dos anos 2000, a cerveja canadense era muito conservadora”, conta Beaumont. “Cervejas muito boas, mas em estilos muito tradicionais — Brown Ale, Hefeweizen, Pilsner, Porter. Por volta de 2004, isso mudou e a cerveja canadense ficou mais criativa, no geral. Antes disso, a maior parte da criatividade surgia no Quebec, mas então muito mais cervejas interessantes começaram a aparecer. Agora nós temos esta mistura maravilhosa de ótimas cervejas tradicionais e cervejas inovadoras muito interessante.”

Muitas cervejarias, pouca divulgação
Antes da cena artesanal ganhar espaço, só havia grandes grupos cervejeiros dominando o cenário canadense, país que foi marcado por períodos de Lei Seca, o mais recente entre 1918 e 1920. Atualmente, conta com cerca de 1,1 mil cervejarias — per capita, um número maior que o dos Estados Unidos, já que o Canadá tem 36 milhões de habitantes para 1,1 mil cervejarias e os EUA, 330 milhões para em torno de oito mil. “Mas os canadenses são pessoas muito quietas, muito educadas, não gostamos de nos gabar”, ri-se Stephen. “Então o mundo não sabe muito sobre a cerveja canadense.”
A título de comparação, ele admira que o Brasil, com um total de 1,2 mil cervejarias — semelhante ao número do seu país natal —, organiza uma competição enorme, o Concurso Brasileiro de Cervejas, do qual ele foi jurado este ano, que conta com a participação de grande parte das cervejarias brasileiras, tem um número de amostras que passa de três mil e juízes internacionais de diferentes partes do mundo, acompanhado de um festival que reúne milhares de pessoas. “No Canadá, com quase o mesmo número de cervejarias, nós temos uma competição pequena, talvez consiga 600 amostras inscritas, o julgamento acontece em um dia, com jurados locais, sem festival cervejeiro, a premiação só é aberta para os próprios cervejeiros, tem uma pequena conferência de dois dias junto e era isso. É o motivo de ninguém saber o que está acontecendo no Canadá”, conclui.
“Quando as pessoas vão me visitar, eu as levo para passear e mostrar as cervejas, e eles se espantam: ‘minha nossa, isso é incrível!’, e eu digo ‘sim! Este é o nosso pequeno segredinho’ [risos].” Para ele, a falta de divulgação está ligada à cultura canadense, de não fazer muito alvoroço e de evitar se arriscar. “Honestamente, acredito que, se a organização do Canadian Brewing Awards fizesse algo deste tipo por lá, seria um enorme sucesso. Mas eles não estão dispostos a fazer isso.”
Estilos e regiões
No Canadá, a legislação e o desenvolvimento cervejeiro variam em cada província. Stephen avalia que, na Colúmbia Britânica, a cerveja artesanal se aproxima de 20% do volume, enquanto em Ontário chega a 15%. “A popularidade está aumentando, as grandes cervejarias estão perdendo market share, todo mundo sabe disso”, diz. “É um país grande, então tendências são diferentes em todos os lugares.
A grande maioria da população está no Sul, em torno de 85% da população vive a 1h da fronteira com os EUA. Em Ontário, há uma grande tendência em Lagers — Pilsners, Helles, Dortmunders, Lagers tchecas. Há coisas envelhecidas sendo feitas agora a Leste do Canadá. Em Quebec, é feito de tudo, é onde os cervejeiros são muito inventivos, então você não tem exatamente uma tendência: uma cervejaria inteira é uma tendência. No Oeste, eles são influenciados pelo noroeste pacífico dos EUA, então tem muita cerveja forte e lupulada e, claro, as Hazy estão por todo lado.”
A busca pelo estilo canadense
Beumont também pontua a chegada das hard seltzer ao país, apesar de não achar que a moda pegue por lá como aconteceu nos EUA. Tentando olhar de forma geral para o país, ela observa que as Sours tiveram o seu momento, mas começam a decair. “IPAs ainda são IPAs, tudo é sobre IPAs. Na Colúmbia Britânica e no Quebec, ainda vemos cervejas de estilo belga, enquanto em Ontário os estilos belgas não vendem mais, parecido com os EUA. De cervejas escuras, temos algumas Brown Ales e Stouts incríveis, mas elas não vendem. Falando de forma geral, há todos os estilos, mas não existe um estilo canadense de cerveja.”

Para ele, essa é uma busca que vale e precisa ser feita. “O Canadá nunca teve um estilo cervejeiro para chamar de seu. E eu continuo falando com as cervejarias sobre isso, simplesmente não acontece. Existe uma cadeia cervejeira chamada Craft Beer Market, conversei com um dos proprietários sobre reunir cervejeiros e fazer uma competição para desenvolver um estilo canadense. A teoria dele, que eu acho muito inteligente, é que deveria ser uma cerveja baseada no malte. Porque o Canadá, de Ontário até a Colúmbia Britânica, as Montanhas Rochosas, é só cereal. É onde os grãos são plantados, em grandes campos.
Então se pudéssemos encontrar um estilo que fosse realmente definido pelo malte, uma combinação, com novos grãos, não usados geralmente em cerveja, alguns grãos usados na destilação agora, como o triticale, um cereal híbrido — talvez seja algo para se usar. Adoro ver este tipo de coisa”, confessa. “O problema é que todo mundo que pensa em cerveja, mesmo na cerveja artesanal, pensa em lúpulo e levedura, ninguém fala do malte, então é difícil construir uma cerveja baseada no malte.”
Matérias-primas
Além dos cereais que o país produz, há lúpulos sendo plantados em regiões como Ontário, Colúmbia Britânica e Nova Escócia. “É ainda uma indústria muito jovem, pode melhorar. Agora, as cervejarias estão usando lúpulos locais, mas é uma novidade.” O que ele destaca é o estudo de leveduras. “Temos em Ontário, na região de Niágara, um laboratório de leveduras muito bom. Um dos primeiros laboratórios a desenvolver múltiplas cepas de Kveik fica em Ontário, e eles são muito bons — por isso, por um tempo, tudo por lá foi só Kveik. Então existe uma possibilidade de leveduras, eles são uma versão canadense da White Labs, são muito bons e inventivos.” Quanto ao homebrewing, a impressão de Beaumont é de que as pessoas não estão fazendo tanta cerveja caseira quanto costumavam fazer antes.
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