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Martyn Cornell: investigando a história cervejeira

  • Foto do escritor: Letícia Garcia
    Letícia Garcia
  • 19 de jul. de 2021
  • 7 min de leitura

Atualizado: 21 de out. de 2021

Entrevistas são parte fundamental da rotina de uma jornalista, e gosto particularmente destas que traçam o perfil do entrevistado. A seguir, o trecho de uma das tantas entrevistas que fiz para a Revista da Cerveja.

O londrino conta a sua trajetória e as descobertas que fez sobre o passado da bebida.


Autoridade em história da cerveja britânica e desenvolvimento dos estilos ingleses, Martyn Cornell é, sobretudo, um pesquisador. Conversar com este entusiasta da cerveja é se perder em narrativas sobre tudo o que ele vem descobrindo a respeito da bebida ao longo dos anos. A entrevista sobre a sua carreira, feita durante o Festival Brasileiro da Cerveja 2020, rapidamente se transformou em contação de histórias — e ele é especialista em tornar o passado da cerveja ainda mais interessante.

Martyn Cornell no FBC 2020. Foto: Letícia Garcia.

Jornalista e escritor há mais de 40 anos, o londrino tem longa experiência na imprensa local e internacional. Por volta dos anos 1980, começou a escrever mais frequentemente sobre cerveja. A escrita logo levou à publicação de livros, como “Beer: the story of the pint” (2003), “Amber, gold and black: the history of Britain’s great beer styles” (2010) e “Strange tales of Ale” (2015), ainda não traduzidos para o português. Hoje trabalha num livro sobre a história da Porter, com lançamento previsto para 2021. Isso sem contar o seu célebre blog Zythophile, criado em 2007, no qual ele compartilha periodicamente os seus escritos. Martyn também foi um dos fundadores da British Guild of Beer Writers, pela qual foi premiado oito vezes, incluindo como Escritor Cervejeiro do Ano. Educador e consultor cervejeiro, ele participa de diversos julgamentos e faz palestras pelo mundo sobre o percurso da cerveja através dos tempos.


Gostaria que contasse um pouco sobre a sua história com a cerveja. Você começou a escrever nos anos 1980, certo?

Um pouco antes disso. Eu me interessei em escrever sobre a história da cerveja porque tinha que preencher quatro páginas vazias num guia de cerveja. Alguém disse: “por que você não escreve algo sobre a história da cerveja?”. Era um guia de cerveja local, a maior parte sobre a história de cervejarias desaparecidas. Comecei a fazer isso e descobri que gostava de pesquisar sobre as cervejas desaparecidas, cervejarias e cervejeiros.


Você trabalhava como jornalista?

Fui jornalista por muitos anos, sim. Estou semiaposentado agora, mas fui jornalista de jornais locais e nacionais, como Times e The Telegraph. Fui correspondente internacional por quatro anos em Abu Dhabi e Hong Kong. Na maior parte foi jornalismo de produção, em vez de escrever, o que nós chamamos de “subediting” e os americanos chamam de “copy editing”. Escrever sobre cerveja era um hobby. Então fiz alguns livros e o blog veio junto — resolvi colocar no blog o que eu escrevia para o meu próprio entretenimento. Me vi escrevendo esses textos muito longos, entre duas a três mil palavras, precisava dizer tudo o que eu queria dizer. Depois de escrever alguns livros, comecei a ser convidado para julgamentos e palestras — e aqui estou, julgando e dando palestras.


E como a cerveja entrou na sua vida?

Sempre gostei de cervejas. No início da adolescência, meu pai me levou a um pub, me estendeu um copo de cerveja e disse “experimente isso, filho”. Foi simplesmente incrível, uma cerveja tão lupulada... Consigo lembrar do nome da cervejaria, hoje fechada, Fremlins, em Kent, e o pub era The Rose, perto de onde ficava a cervejaria. A cerveja era cheia de aromas lindos de lúpulo. E foi isso.


Zythophile

Como foi a ideia de fazer o blog Zythophile?

Os blogs estavam apenas começando quando eu comecei, em 2007. Pensei ser uma forma de reunir as pesquisas que eu estava fazendo e contar para as pessoas sobre elas. Comecei a escrever sobre as coisas que eu estava descobrindo. Não escrevo só sobre história, mas sobre visitas a lugares, sobre questões no mundo cervejeiro. Por exemplo, tivemos um comitê regulador sobre cerveja no Reino Unido — não era oficial, mas o que eles diziam, geralmente o varejo fazia, revendedores, lojas e pubs geralmente obedeciam às suas regras. Eles simplesmente baniram uma cerveja porque tinha um desenho de animais na lata, e disseram que isso atrairia crianças e que elas seriam encorajadas a beber porque tinha desenhos de animais... Sério? Foi uma grande coisa na época, e escrevi sobre isso também.


Recentemente estive na Noruega, e eles têm esta levedura especial, chamada levedura Kveik, que cervejeiros de fazenda noruegueses têm usado por séculos. Particularmente os norte-americanos adoram essa levedura, que fermenta a temperaturas muito altas. Os cervejeiros caseiros gostam, ela traz sabores e aromas muito especiais. Agora, na Noruega, eles estão tentando preservar essas leveduras e o modo de vida e de fazer cerveja dos cervejeiros de fazenda. Eles me convidaram para ir até lá porque eu escrevi sobre isso antes. Os noruegueses estão tentando levar essa levedura para a Unesco, para incluí-la em uma lista especial, de coisas culturais (samba está nessa lista e coisas assim), para tentar preservá-la e garantir que ela não possa ser explorada demais, a ponto de perder o contato com a tradição norueguesa. Escrevo sobre isso também — é um pouco história e um pouco do que está acontecendo agora.


Você também escreveu recentemente sobre um movimento da temperança. Está mesmo acontecendo na Inglaterra?

Sim, o problema é que eles não chamam a si mesmos de “movimento da temperança”, eles se descrevem como Instituto de Estudos do Álcool [Institute of Alcohol Studies], mas que é descendente dessas campanhas de temperança do século XIX. Basicamente, eles dizem que estão apenas tentando parar com o consumo problemático de álcool, mas a agenda secreta é parar com todo o consumo de álcool. Eles querem que o álcool se torne muito caro e estão tentando bani-lo completamente.


O que parte dessas pessoas não entende é que, claro, o álcool causa os seus problemas, nós todos sabemos que existem problemas com álcool, mas para a grande, enorme maioria das pessoas o álcool traz felicidade, traz relaxamento, traz companheirismo e amizade. Cerveja está associada a sentar num pub ou num restaurante e conversar, essa é a sua função mais importante.


Inglaterra, ingredientes locais e Camra

Qual a sua avaliação sobre o movimento cervejeiro na Inglaterra?

Temos uma divisão de gerações. Os consumidores mais velhos ainda buscam uma cerveja de torneira [handpump, Cask Ales/Real Ales] e não estão acostumados com craft beer e os sabores modernos de cervejas. Consumidores mais novos preferem as novas cervejas, Hazy IPAs, cervejas mais frutadas... Há todo um debate entre estes dois grupos. O que é uma pena, eu gosto de todas elas [risos]. Uma boa cerveja é uma boa cerveja. Algumas vezes, escrevo textos tentando dizer para os consumidores mais velhos: “eu sou um consumidor antigo, bebo cerveja há mais de 20 anos, mas são boas cervejas, aproveitem”.


Vinte anos atrás, antes de o movimento de cerveja artesanal explodir, a cena cervejeira estava estagnada, as mesmas coisas sempre. Agora, claro que você pode argumentar que tem muita variedade, mudanças demais, que as pessoas querem coisas novas o tempo todo — o que é um pequeno problema, sim —, mas, ainda assim, a explosão de diferentes estilos de cerveja ao redor do mundo é fantástica. Você vem para o Brasil, tem mil cervejarias agora, produzindo cervejas realmente muito boas, e o seu próprio estilo de cerveja, Catharina Sour, que eu realmente gostei.


Então você gostou?

Sim! Cervejas adoráveis. E um entusiasmo massivo, pessoas imensamente entusiasmadas. Vi o mesmo na Polônia em 2019, imensamente entusiasmados sobre beber cerveja, diferentes estilos, descobrir sobre cerveja. Itália: uma enorme cena cervejeira na Itália, a terra do vinho, e, ainda assim, são 900 cervejarias italianas agora. França: o mesmo. Catalunha: um massivo interesse em cerveja, muito associado à comida. Os catalães têm uma grande tradição gastronômica entre cerveja e comida, algo que eu tento encorajar quando escrevo sobre cerveja — é outra coisa sobre a qual escrevo ocasionalmente, harmonização.


Vocês aqui têm cervejas incríveis que combinam com comidas ótimas. Comidas apimentadas, grelhados e tudo o mais que vai muito bem com cerveja. E não só com as Lagers comuns, mas IPAs e outras vão bem com comidas brasileiras. Estou um pouco surpreso de ver que o sucesso da cerveja no Brasil é sobre sabor e muito vem do que é possível comer.


Na Catharina Sour, os cervejeiros adicionam alguns sabores locais, você vê este como um caminho?

Completamente. Eu fui à Dinamarca alguns anos atrás, onde havia um verdadeiro reinado usando ingredientes locais. Ingredientes vistos na estrada, algumas plantas, testadas na cerveja, o que é incrível. Tem uma grande coisa nos EUA chamada “cerveja feita perambulando”, que é literalmente você sair caminhar com uma lista, ver as plantas que crescem a um quilômetro da cervejaria e fazer cerveja com ela. É uma cerveja feita com um ingrediente tão local que você pode ver esse ingrediente literalmente da janela da cervejaria, o que é ótimo. E as pessoas respeitam mais se sabem que a cervejaria tem as suas raízes na região.


É um certo problema que antes você só pudesse produzir, digamos, Lambics em uma pequena área da Bélgica e hoje você pode comprar levedura Lambic e fazer uma cerveja Lambic em qualquer lugar. Acho isso um pouco triste. Eu entendo que as pessoas querem fazer Lambics, mas acho que está tirando-a das suas raízes, fico um pouco triste que não seja mais um estilo completamente único de cerveja, disponível apenas naquele lugar único.


Ainda sobre a Inglaterra: como a Camra (Campaing for Real Ale) dialoga com o momento atual?

O problema é que a Campaing for Real Ale fará 50 anos em 2021. Muitos dos integrantes iniciais agora estão com seus 60, 70 anos, e é difícil recrutar novos integrantes. Talvez exista um pouco de hostilidade entre os antigos fundadores e as pessoas jovens, que talvez queiram fazer as coisas um pouco diferente. Eu ainda sou um membro do Camra, mas não há muito o que fazer. Conheço pessoas na organização e escrevo para a revista ocasionalmente. Muitas cervejarias que hoje são muito populares, como Brewdog, Camden Town, Beavertown, produzem ótimas cervejas, mas não cervejas que o Camra reconhece. No Great British Beer Festival eles recém tinham começado a ter um pouco das cervejas, muitos dos membros do Camra não gostaram da ideia, isso causou tensão. Mas se eles não tiverem cuidado, todos os membros do Camra irão morrer e não haverá gente nova entrando.


Este é o jeito que os sabores e o paladar vão mudando nos países. Tivemos uma cerveja muito popular na Grã-Bretanha há 60 anos, a Mild Ale, e muitos provavelmente nunca ouviram falar dela, porque era tomada por pessoas mais velhas. Conforme essas pessoas foram morrendo, gente mais nova não estava bebendo — elas estavam bebendo Lager, que, nos anos 1960, na Inglaterra, tinha cerca de 2% do mercado. Gradualmente, novos consumidores surgiram e iam ao pub beber Lager, porque era emocionante, era algo novo — seu pai não bebia, então era uma boa razão para beber [risos]. Então as vendas de Mild despencaram enquanto as pessoas iam morrendo e as vendas de Lager cresceram. É o que acontece, se você não tem cuidado, se você não acompanha a demografia, perde seu mercado.

[...]


Confira a entrevista completa na Revista da Cerveja nº 51!

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