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Saga rio-grandense

  • Foto do escritor: Letícia Garcia
    Letícia Garcia
  • 26 de jul. de 2021
  • 5 min de leitura
Impossível pensar em literatura do RS e não falar de "O tempo e o vento", de Erico Verissimo. Entrevistei o especialista Tiago Pedruzzi para falar com detalhes sobre a obra na coluna Cultura Gaúcha, do Jornal do Mercado, em março de 2017.

“O tempo e o vento”, trilogia do escritor Erico Verissimo, reúne 200 anos da história do estado, mesclando realidade e ficção através da trajetória da família Terra-Cambará. A narrativa alcançou reconhecimento internacional e é considerada a maior obra da literatura gaúcha.


Os livros de "O tempo e o vento". Foto: Letícia Garcia.

“É a partir da gênese dos Terra-Cambará até a sua derrocada, por assim dizer, que se narra a história do Rio Grande do Sul, ao centro, e a história do Brasil, em segundo plano, na medida em que as duas se tocam”, explica Tiago Pedruzzi, professor de Língua e Literaturas Portuguesa e Espanhola no Instituto Federal Catarinense.


Tiago analisou memória e experiência em “O tempo e o vento” e “Cem anos de solidão” (Gabriel García Marquez) em seu mestrado em Literatura Comparada pela UFRGS, e hoje estuda no doutorado as traduções de “Martín Fierro” (José Hernández) – envolvido com a literatura gaucha e latino-americana, conversei com ele sobre a obra-prima de Verissimo.


Uma trilogia

“O tempo e o vento” é uma saga que conta a história do Rio Grande do Sul de 1745 a 1945 através dos personagens de uma família. A trilogia é composta por “O continente” (1949), “O retrato” (1951) e “O arquipélago” (1962) – são mais de 2,2 mil páginas. “No plano estético, a obra-prima de Erico Verissimo é uma das obras mais importantes da literatura brasileira”, diz Tiago.


A construção da narrativa rompe com a ordem cronológica, com histórias diversas que se completam. “‘O tempo e o vento’ tem a importância de reunir em uma mesma obra aspectos míticos e históricos do Rio Grande do Sul, criando uma imagem de estado que pode ser apreendida em sua totalidade. Se são verdadeiros os aspectos, pode-se discutir. Contudo, o caráter globalizante dessa narrativa não se discute.”


Romance histórico

Pedruzzi explica que o romance sintetizou muitos aspectos da história sul-rio-grandense que, na época da publicação, eram negligenciados pela historiografia oficial, como a importância das Missões Jesuíticas – narrada na obra através da história de Pedro Missioneiro, personagem que se envolve com Ana Terra. “Ao colocá-lo como filho de um bandeirante desconhecido e uma índia também desconhecida, constrói miticamente o nascimento do Rio Grande do Sul”, observa o pesquisador.


“O outro ramo da família, o lado Cambará, nasce de um aventureiro do planalto de Curitiba que, estando em Laguna, decide ir ao Continente de São Pedro fazer fortuna – como muitos outros que, no rastro da cobiça individual, ajudaram a empurrar as fronteiras do Império Português para o Oeste e para o Sul. Assim, Verissimo consegue configurar os primeiros anos de formação do Rio Grande do Sul.” No avançar da história, o autor insere personagens para marcar a multiplicidade étnica do estado – negros, imigrantes alemães, italianos – e também para falar das famílias menos abastadas através dos Caré e do peão de estância Fandango.


Terra e a mulher

Cruz Alta serve de modelo para a ficcional Santa Fé, “um microcosmo no qual podem ser reunidas tanto as questões universais, que permeiam a obra, quanto as questões históricas que são transportadas para ali, tal como a imigração, a ascensão de uma elite rural ao centro do poder e sua posterior derrocada, representada pela família Terra-Cambará”.


Para Tiago, duas personagens se destacam naturalmente – e a primeira é Ana Terra. “Mulher forte, catalisadora das condições de sobrevivência necessárias à continuidade da família Terra, vive e transmite às gerações femininas posteriores uma atitude estoica diante da vida e um senso prático que caracteriza o ramo Terra.”


Diversos pesquisadores apontam o forte papel das personagens femininas na trilogia. “São as mulheres o sustentáculo da família durante várias gerações. Elas são responsáveis pela unidade familiar, sendo o baluarte moral para os homens, que estão sempre preocupados em guerras longe de casa. As personagens masculinas guerreiras passam pelo cenário e acabam morrendo, já as mulheres têm vida longa e são depositárias dos valores familiares. Elas também podem desestabilizar este cenário, tal como ocorre com Luzia Silva – mas que partilha da mesma força.”


Cambará e o continente

A segunda personagem que se destaca é o capitão Rodrigo Cambará, “que resume em sua personalidade uma série de aspectos emblemáticos, tais como a coragem, o ímpeto e um senso de justiça que norteia suas ações, tudo temperado com uma atuação teatral e uma vocação para a festa”. Ambos são personagens do primeiro livro, até hoje o mais conhecido.


“‘O continente’ lidou com material histórico um pouco mais distante cronologicamente, dando liberdade a uma criação mais mítica por parte do autor. O passado de guerras ali retratado é descrito de maneira mais heroica, pois a dimensão política ainda está muito diluída”, analisa Pedruzzi. “As personagens também têm uma construção mais idealizada, com traços muito bem definidos.” O próprio Verissimo considerava “O continente” a melhor parte.


Novos ventos

A trilogia alcançou as telas inúmeras vezes, desde “O sobrado” (1956, Walter George Dust e Cássio Gabus Mendes) até “O tempo e o vento” (2013, Jayme Monjardim), que foi também apresentada como minissérie na televisão, seguindo os moldes de sua primeira adaptação para TV (1985, Doc Comparato). Prêmio Machado de Assis pela Academia Brasileira de Letras em 1953 pelo conjunto da obra, Erico Verissimo escreveu contos, romances, literatura infanto-juvenil, narrativas de viagem, autobiografias, ensaios, compilações e traduções.


“Erico foi pródigo contador de histórias e assim se denominava. Defendeu um mundo democrático e levantou a voz, usou a pena para denunciar as injustiças que encontrava”, destaca Tiago. “Sua conduta como escritor e editor sempre era vista sem ressalvas e isso, talvez, aliado aos seus livros, foi capaz de profissionalizar a literatura produzida no Rio Grande do Sul, fazendo que ela chegasse a pontos da Terra nunca pensados por um escritor anterior a ele, fazendo com que passássemos de meras notas de rodapé nos compêndios literários a um importante produtor de literatura.” Como diz Pedruzzi, um Brasil diferente foi apresentado ao mundo – e foi aberto o diálogo do regional com o universal.



Interior do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo. Foto: Fernando Cesar Vieira/Comunicação CEEE.

Gaúchos de Santa Fé

“O tempo e o vento” pode ter desempenhado seu papel na cristalização de algumas imagens do gaúcho. Nos anos 1940, hábitos rurais não eram bem vistos na cidade, o que impulsionou o nascimento do movimento tradicionalista. “Se houve alguma contribuição da obra de Verissimo, ela se deu na medida em que demonstrou uma certa força dos habitantes dessa região do Brasil para enfrentar problemas como seguidas guerras com seus vizinhos de fronteira e, até mesmo, entre si”, observa Tiago.


“Também pode ter contribuído a presença de personagens tão marcantes como Ana Terra e o capitão Rodrigo Cambará, os quais resumem muitos aspectos idealizados da imagem de gaúcho que se estava buscando cristalizar pelo recente movimento tradicionalista, tais como uma resistência às adversidades e, mais especificamente no caso do capitão Rodrigo, sua opção pelos farroupilhas em oposição aos caramurus, representados pela família Amaral.”


O gaúcho tem representações diferentes no decorrer da obra, além de Rodrigo, em figuras como o estancieiro Babalo e o peão Fandango. “A saga é aberta a múltiplas interpretações, dada a sua complexidade e o amplo conjunto de personagens, permitindo aos leitores a identificação com uma ou outra figura”, pontua Tiago. Relações com outras obras que retratam o gaúcho também estão lá, como com Simões Lopes Neto – seja na Salamanca do Jarau com a história de Luzia e Bolívar, seja na construção de Fandango e sua proximidade com Blau Nunes.


Matéria originalmente publicada no Jornal do Mercado, edição impressa distribuída gratuitamente em março de 2017. Também disponível no site do JM.

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